Hoje o que nos traz aqui é a opinião de "Amiga Genial", o primeiro de quatro volumes de série criada pela autora-mistério Elena Ferrante.
O livro conta-nos a história de duas meninas, amigas, que crescem num bairro pobre, em Nápoles.
A narrativa inicia-se com o desaparecimento de Lila, já numa fase mais avançada da vida, sendo que que o seu filho solicita de imediato ajuda à velha amiga da mãe, Lenú. Assim, é Lenú, ou Elena, que começa a escrever e a recordar a história de ambas, desde a infância, deixando claro não estranhar que Lila tenha abandonado tudo.
As duas conheceram-se na entrada para a escola primária, convivendo num bairro degradado. O que as aproxima é o facto de ambas serem inteligentes, embora com feitios muito distintos. Lila é uma menina rebelde que chega a ser considerada má, de uma classe social baixa, até mesmo pouco estudiosa, mas cuja inteligência lhe confere um estatuto de génio quando chegam à conclusão que, sozinha, ela aprende tudo muito facilmente. Já Lenú é uma criança dócil e capaz de fazer amigos, inteligente devido ao seu esforço e ao gosto pelo conhecimento.
À medida que crescem, a amizade delas vai passando por várias fases diferentes, assim como elas próprias crescem e se tornam adolescentes - mulheres - distantes das crianças que eram. E a amizade surge, desde logo, como até um pouco tóxica. Lenú compara-se constante à amiga, estudando para ser melhor que ela. Com o passar do tempo, tudo o que faz é feito numa linha de competição, como arranjar um namorado porque a amiga se ia casar. Elena parece ter sempre a sensação de que, faça o que fizer, mesmo empenhando-se ao máximo, a melhor amiga conseguiria sempre com melhor resultado e menor esforço.
Com o tempo, as amigas vão cada uma para o seu lado: Elena decide continuar a escola visto o seu sucesso escolar, enquanto Lila desiste e se dedica ao trabalho e às tarefas domésticas, ficando noiva e casando-se numa tenra idade.
O que tem este livro de diferente? Ainda me é difícil descrever, mas que o é, é...
Parece-me que Elena Ferrante descreve a realidade (tanto quotidiana como social) de forma crua, dando-nos um plano real do que era a sociedade na época, assim de como funcionam as mentes complexas na verdade. A história de amizade entre estas rapariga não é simplesmente um bonito conto, mas sim uma relação quase doentia com constantes competições, apesar de não deixar de ser uma amizade verdadeira, em que as amigas gostam uma da outra.
Depois temos ainda o contexto, que muito tem que se lhe diga. Falamos de uma época em que a escola secundária era um local idílico, em que as mulheres tinham que ser muito boas alunas para prosseguir os estudos, em que o casamento ainda antes da maioridade não era assim tão estranho, em que a política dava que falar com o comunismo, em que a violência era um cenário bem real...
E Elena e Lila estavam atentas a isso tudo, mais do que todos os outros habitantes da cidade. O que fazia estas duas raparigas inteligentes não eram apenas as boas notas na escola, mas sim a capacidade de ver o que os outros não vêm. A vontade não só de conhecer aquilo sobre o que se fala na escola, mas de conhecer o mundo.
É fácil de se simpatizar com Lenú, uma rapariga que partilha os seus medos e as suas fragilidades, a sua baixa auto-estima que a leva a compactuar com Lila, mesmo conhecendo a sua mente manipuladora, e a tentar ser melhor que ela. Mas também o facto de se sentir constantemente sozinha, sem ter com quem partilhar as suas ideias num bairro onde as pessoas parecem desconhecer o mundo e não se importar. Apenas Lila poderia compreendê-la, quando está do seu lado... Nesta complexidade, a escritora fez um trabalho espetacular. É fácil e fascinante entender como o contexto influencia o quotidiano e a história do bairro, tornando as raparigas nas pessoas que são e até mudando a relação delas.
"A Amiga Genial" está a ser adaptada para série televisiva, pela HBO, e eu estou muito curiosa para ver!