Não é segredo por aqui que Stephen King é um dos meus escritores favoritos. A forma como cria personagens tão diversas e conta histórias de forma crua e direta apaixona-me. Não há tabus ou floreados para este autor e esse é um dos elementos do seu sucesso.
Quando soube que o seu livro de não ficção, Escrever, seria publicado em Portugal fiquei muito entusiasmada. Para alguém, como eu, que vê este autor como uma referência e que também escreve, uma obra destas é um dois em um. Já há algum tempo que tenho este livro, mas agora, no meio de um bloqueio criativo, fez sentido lê-lo, mais do que nunca. Vou contar-vos a minha opinião!
"Escrever" está dividido em três partes. Na primeira parte, Curriculum Vitae, o autor fala-nos sobre si e a sua vida. É um conjunto de capítulos especialmente curioso para mim, fã do autor, pois não sei assim tanto sobre o seu percurso de vida e descobri curiosidades que, para mim, foram novas. Até com as otites dele em criança me identifiquei, já que também me valeram várias idas ao hospital, e foi durante um internamento que recebi aquele que foi, provavelmente, o meu primeiro livro. Nesta parte, compreendemos o caminho que o autor fez, as lembranças que o inspiram e como foi parar à escrita.
A parte dois, Caixa de Ferramentas, é aquela que fala sobre a escrita em si e nos dá dicas sobre como escrever. Stephen King não o faz de uma forma presunçosa ou arrogante, assumindo com humildade que o que funciona para ele pode não ser aplicável a outros. Fala-nos não só de gramática e vocabulário, como nos alerta da importância da leitura constante e de conhecer o mercado editorial.
Na terceira parte, Sobre a Escrita, o escritor dá-nos um conjunto de respostas a perguntas que são ou deveriam ser feitas aos autores.
Apesar de estas serem as partes essenciais do livro, Setphen King ainda adiciona um Post Sricptum, Sobre a Vida, onde nos conta o seu acidente quase mortal e como este livro quase não aconteceu por causa do mesmo. O seu regresso à escrita aconteceu precisamente para o terminar, numa altura em que ele mesmo duvidava que voltasse a conseguir escrever.
O autor acaba o livro ainda com exemplos práticos e listas de livros que recomenda.
É um guia muito útil, tanto que tenciono reler o mesmo, anotando algumas das dicas mais importantes para as conseguir aplicar no futuro.
Penso que a mensagem mais importante é a de que não há sucesso nem bons escritores sem muito trabalho e aplicação. Claro, é mais difícil fazer do que dizer. O próprio Stephen King teve que desbravar muitos caminhos para chegar onde chegou, sendo recusado diversas vezes e trabalhando em condições precárias, com uma família para cuidar, de forma a conseguir conciliar com a escrita. O seu sucesso não nasceu no primeiro conto ou livro, assim como não aconteceu de um dia para o outro. No entanto, tenho cá para mim que se fosse em Portugal demoraria ainda mais a acontecer.
O autor tem uma rotina de escrita sagrada e quase inflexível, escrevendo todas as manhãs, lendo todos os dias. Esse é o seu segredo, o qual talvez não seja fácil de seguir para autores que têm outros empregos como prioridade. Para escrever bem, deve-se ler muito e escrever muito. Também nos dá outras dicas relativamente ao mercado editorial que podem não ser totalmente aplicadas cá, já que o mercado é um pouco diferente em Portugal. O processo de publicação de livros não funciona exatamente do mesmo modo.
Apesar de nem sempre ser aplicável, e do próprio autor esclarecer isso, as dicas são valiosas. Só os simples factos curiosos sobre Stephen King e como algumas das suas obras apareceram, assim como o que está por detrás dos conceitos de algumas das personagens mais emblemáticas do mundo do terror, já fazem valer a pena. Consegui detetar a cidade de Derry na sua infância, compreender como o alcoolismo influenciou algumas das suas obras. É uma forma de nos relembrar que escrever é quase como o destino de quem o faz, que tudo na nossa vida nos leva a começar determinado livro. Somos o que escrevemos e aquilo que escrevemos reflete o que somos.
Conheço muito mais sobre Stephen King após ler este livro. Assim como sei mais sobre a escrita. Adorei encontrar no meu escritor favorito uma espécie de "amigo" que nos guia e conta a sua experiência, um mestre ancião, a iluminar as nossas dúvidas, como iniciantes que somos. Revi os meus próprios processos de escrita nas suas palavras. Senti os seus puxões de orelhas, vi até mesmo a sua face a fazer carrancas naquelas partes em que eu sabia que tinha que melhorar. Gostei de como ele define a criação da história de um livro, que se vai formando e construindo ao longo da escrita, surpreendendo até mesmo o autor. Gostei porque sinto o mesmo.
Também é o livro ideal para fãs das obras de Stephen King, mesmo que não tenham nenhuma aspiração à escrita. Além de descobrirem factos super interessantes da vida do autor, contados na primeira pessoa, vão saber mais sobre o que está por trás de muitos dos nossos livros favoritos. Como teve início a história de Carrie, a sua inspiração, como quase foi para o lixo e acabou resgatado e tornado num grande sucesso. Sobre como The Stand (A Dança da Morte, livro mais recentemente publicado em Portugal pelo autor) quase não foi terminado por um bloqueio de escrita. Sobre como o autor adora Cujo, mas não se recorda do processo de escrita. Tanto mais!
Não me vou alongar mais a falar sobre o livro, pois é necessário lê-lo para absorver cada detalhe. É uma leitura fácil, num registo diferente do autor, mas mesmo assim com o seu cunho. Está bem organizado e eu só queria mais um pouco, mais experiências, mas sei que Stephen King teve o cuidado de o escrever na medida certa. Nem mais, nem menos.
Não vou dizer que arregacei as mangas e comecei a trabalhar logo após esta leitura, mas com certeza que me inspirou imenso e me motivou a continuar neste caminho.
E vocês, gostaram deste livro?
Komentarji