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Opinião "Doutor Sono"| Um livro cheio de brilho e vapor

Orquídea Polónia

Estou de volta para uma nova opinião literária, desta vez é “Doutor Sono”, de Stephen King, que está em análise. Como já tinha dito, esta é a sequela do livro “The Shining”, cuja opinião também podem encontrar aqui no blogue.

O livro começa por retomar a ação do anterior, explicando o que aconteceu ao pequeno Danny após a grande tragédia no Hotel Overlook. Ele teve que lidar com alguns fantasmas (literalmente) mas depressa aprendeu a controlar o seu brilho. No entanto, as memórias são mais difíceis de lidar e aquele que era o pequeno Danny transformara-se no adulto Dan, alguém muito mais parecido ao seu pai do que imaginávamos. Fiquei triste pelo seu novo retrato, não esperava nada vê-lo como um alcoólico que pouco ou nada alcançara na vida e que tentava recalcar tanto o seu passado como o seu brilho. Mas faz sentido, o que não nos mata nem sempre nos torna mais fortes. E tornando-se num escape que o ajuda a evitar a dor de ambos – o passado e o brilho – compreende-se que ele se tenha metido nesse caminho.

Depois desta apresentação, o livro introduz-nos três histórias. A primeira é de Dan, que continua a ser apresentado na sua versão adulta, pelo que o vemos a bater no fundo do poço no seu alcoolismo, até que decide assentar num novo local, recomeçando uma vida longe do vício. Depois também temos a história de Rose, a Cartola, uma mulher que não é humana e que vive em conjunto com o Nó Verdadeiro, um grupo de “pessoas” (monstros) centenários (provavelmente mais) que se alimentam da essência (vapor) de crianças com brilho após as matarem, sendo que isso os ajuda a permanecer forte e jovens – vivos. Por último, temos a história de uma nova protagonista, Abra, que nasce na altura em que Dan se quer libertar do seu vício, sem nenhuma ligação aparente, até repararmos que à medida que vai crescendo o brilho de Abra vai-se tornando mais forte e ambos acabam por ter uma conexão.

Inicialmente, estava confusa com tantas voltas de três personagens que pareciam não ter ligação. Mas depois tudo se vai juntando como peças de um puzzle, e até pequenas coincidências acabam por ser justificadas. A pequena Abra assistiu a um homicídio devido ao seu “potente rádio telepático” que o brilho lhe conferia. Ela viu Rose matar um miúdo com brilho para obter o seu vapor. Abra nunca esqueceu este momento horrível, e Rose sentira a rapariga na sua mente mas ignorou por anos, esperando que o vapor (brilho) dela atingisse o auge de forma a encontrá-la e decidir o que fazer com ela. Abra comunica desde sempre com Dan através de Tony, e eu desejei que este tivesse sido melhor explorado no livro. John, médico de Abra e amigo de Dan, foi apenas uma das muitas coincidências do livro bem aproveitadas pelo autor.

Todo o plot começa-se a desenvolver realmente quando Abra é relembrada da história do miúdo de basebol, aquele que Rose matou, e deseja que ela pague por aquilo que faz com as crianças. Para isso pede ajuda a Dan, acabando por o conhecer pessoalmente pela primeira vez. Nesta altura, Dan já é uma pessoa diferente, controlando o seu vício da bebida e com um emprego estável no centro de cuidados paliativos – ele é o Doutor Sono pois ajuda quem está a morrer a passar para o outro lado. O seu brilho é, agora, um dom. Assim que Abra lhe conta o que se passa, ele assume a responsabilidade de a ajudar, pedindo a John e a Billy, seu amigo, que embarquem nesta aventura com eles. Os planos são colocados em marcha, com Dave, pai de Abra, a participar também. Alguns membros do Nó são mortos, o que deixa Rose furiosa. Dan e Abra formam uma excelente equipa, aproveitando o brilho um do outro até para “trocarem de mentes”.

A meio caminho vamos descobrindo que as novas e velhas histórias se misturam, como se o presente pertencesse ao passado e vice-versa. Tal como desconfiava, Dan é meio-irmão de Lucy, mãe de Abra, o que os torna realmente tio e sobrinha. Jack Torrance, que conhecemos em The Shining, tinha muito mau feitio mas parece que pulou a cerca, tendo uma filha fora do casamento. O brilho é realmente hereditário. Este plot twist foi, para mim, o mais interessante. Também temos o facto de Rose e o Nó estarem hospedados num parque de campismo onde antes havia o Hotel Outlook, pois o mal atrai o mal. Foi nesse mítico local que ambos enfrentaram os monstros, matando os membros do Nó (quem não os tinha abandonado) facilmente, até acabarem com Rose, por último. Tiveram até a ajuda de um espírito fantasmagórico que viemos a saber ser de Jack. Engraçado como, apesar de ele nunca seguir propósitos que não sejam os seus e tomar as decisões mais erradas, no fim Jack acaba sempre por ajudar o filho. Dan e Abra saem vitoriosos e os vilões são mortos, ao contrário da equipa dos heróis que permanece completa sem nenhuma baixa até ao fim. Nem tudo acaba bem, pois Abra tem problemas de raiva e mau génio para controlar, mas penso que tal não se deve só ao brilho – ela é uma adolescente, e está viva, portanto ótimo. Confesso que gostava de ver Dan a encontrar um interesse amoroso, já que isso até foi mencionado a meio do livro, mas tal não aconteceu.

“Doutor Sono” é um ótimo livro, cheio de emoções complexas e momentos de suspense interessante. Adoro que alguns pormenores sejam desvendados apenas com o decorrer da trama, como peças de um puzzle que se vão completando. No entanto, confesso que gostei um pouco mais de The Shining, pois a história estava mais condensada e focada. Aqui não só existem mais personagens como, por vezes, torna-se difícil ligar tudo, principalmente quando todas as histórias são introduzidas. Algumas coisas não fizeram muito sentido para mim, como começar a explorar a história de Andi, a Cascavel, quando queriam apenas apresentar a líder, Rose. Ou terminar com a morte de Fred, o que penso ser dispensável. Mas recomento a vivamente a leitura deste livro! Termino com uma reflexão, do autor:

“A vida era uma roda cujo único objetivo era girar, e voltava sempre ao início.” (p559)

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