Gostava de ser um balão de hélio.
De me desprender do que me agarra.
Soltar o ar. Deixar-me ir.
Gostava de ser um rádio.
Aumentar o volume ao máximo.
Gritar, libertar. Deixar-me ir.
Gostava de ser um rio.
Ir com a corrente, de forma tão natural.
Fluir, correr. Deixar-me ir.
Gostava de ser um mágico.
Tirar um coelho da cartola e fazer as coisas desaparecer. Um abracadabra à vida. Deixar-me ir.
Gostava de ser o ar.
Estar em todo o lado e em lado nenhum.
Flutuar, meras partículas. Deixar-me ir.
Gostava de ser escrita a lápis.
Poder apagar e reescrever-me.
Começar do zero ou limpar. Deixar-me ir.
Eu gostava de ser corda.
Esticar, desfazer os nós, um fio só.
Desatar. Deixar-me ir.
Gostava de ser um pássaro.
Bater as asas e voar, com destino inexistente.
Apenas existir, indo. Deixar-me ir.
Gostava de ser o impossível.
Ter a certeza de não ser real.
Inexistente. Deixar-me ir.
Gostava de ser silêncio.
Num só tom, que é tom nenhum.
Sem ruído. Deixar-me ir.
Gostava de ser o nada.
Apenas a nulidade do vazio.
Não existir. Deixar-me ir.
Gostava de ser a calma.
Sem pressa de chegar a outro lado, o lado nenhum.
Apenas fluir. Deixar-me ir.
Eu gostava de ser o universo.
Não ter início nem fim.
Infinito, permanente. Deixar-me ir.
Balão de hélio. Rádio. Rio. Mágico. Ar. Escrita a lápis.
Corda. Pássaro. Impossível. Nada. Calma. Universo.
Tanta coisa para se ser, não sendo coisa nenhuma.
Tanto para se deixar ir.